Desde obras como O último homem (1826), de Mary Shelley, e A máquina do tempo (1895), de H. G. Wells, as literaturas de língua
inglesa, de maneira geral, se debruçaram sobre utopias políticas de suas épocas
procurando lhes expor enquanto horizontes míopes para o futuro da humanidade.
No contexto da revolução industrial vivida pela Inglaterra na virada do século
XVIII para o XIX, reitera-se a noção de que o desenvolvimento científico
estaria aliado ao progresso da civilização. Já para os escritores e escritoras
que começaram a viver suas consequências éticas e sociais, um futuro balizado
por essa aliança não parecia mais equivaler ao ideal utópico que outrora fora
desenhado para a sociedade por vir.
Se, por um lado, nem todas as distopias
literárias são romances de ficção científica, por outro, nem todos os romances
de ficção científica são distopias. No entanto, é de uma primeira aliança entre esses dois gêneros
da literatura que a oposição entre civilização e barbárie passou a ser
complicada e reelaborada na ficção de língua inglesa.
George Orwell (1903-1950), romancista cujo viés
socialista manteve-se em conflito permanente com as políticas da União
Soviética comandada por Stalin, descobre nas tecnologias da língua, bem como do
terror psicológico originado na vigilância constante, o motor de sua mais
famosa obra 1984 (1949).Margaret
Atwood, continuando o legado do derradeiro romance de Orwell, inscreve em sua
obra 1985, O Conto da Aia, o horror e
a violação perpetrados não só pelos regimes totalitários funcionando a todo
vapor durante a Segunda Guerra Mundial, mas também por outras instituições na
história do mundo civilizado. Será a partir desse romance que a autora dará os
primeiros passos para adentrar o terreno do que ela mesma nomeou como “ficção
especulativa”.
Essa especulação se dá, por assim dizer, enquanto
continuidade fantasmagórica do passado histórico da humanidade. Resgatando as
pontas soltas da violência de gênero e étnica no Ocidente, Atwood redesenhou a
distopia literária por meio da versão dos fatos narrada pela protagonista
Offred. Na virada do milênio, com a publicação de Oryx e Crake (2003), Atwood levou adiante suas técnicas de
especulação ficcional a partir de um mergulho nos gêneros literários da
fantasia e ficção científica que inclusive figuram enquanto temas em sua tese
de doutorado (inacabada), “O Romance Metafísico Inglês”. Diante dos
desenvolvimentos científicos do século XXI, Atwood recuperou densas reflexões
filosóficas acerca da relação entre a manipulação genética, o desejo humano de
“brincar” de ser Deus, bem como a produção intencional de uma distopia
pós-apocalíptica.
George Orwell e Margaret Atwood: Fronteiras entre
a Distopia e a Ficção Científica é um curso de 16
encontros que insiste, portanto, na investigação uma das premissas por trás de
todos esses romances: toda utopia contém sua contraparte distópica. Tal investigação
está localizada entre aqueles que tomam parte no projeto utópico de determinada
sociedade e aqueles que ficaram de fora desse projeto - ora por conta da
violência de gênero e étnica, ora por conta da intolerância religiosa. Afinal,
ambiguidade parece ser o elemento central na maneira como as distopias e a
ficção científica fizeram fronteira ao longo de todo o século XX e ainda o
fazem nas primeiras décadas do século XXI.
Nesse sentido o contexto é extremamente favorável
a um Curso desta natureza e temática.
O objetivo do curso é explorar a maneira como a
distopia e a ficção científica se formaram enquanto gêneros na literatura, bem
como investigar a fundo as obras 1984 (1949),
O Conto da Aia (1985) e Oryx e Crake (2003) enquanto
representantes dessa zona fronteiriça entre ambos os gêneros literários.
Além disso, trabalharemos com autoras da
filosofia política contemporânea como Judith Butler, Rosi Braidotti, entre
outras, de modo a pensar como essa literatura tem respaldo em temáticas
importantes para as Ciências Humanas no século XXI. As críticas políticas ao
totalitarismo, os avanços do movimento feminista e de sua teoria literária,
assim como as tendências do transhumanismo serão temas recorrentes em nossas
discussões.
A metodologia disciplinar para o curso proposto
irá passar pela discussão dos materiais teóricos lidos por toda a turma, bem
como pela ampliação do contexto histórico, filosófico e literário do qual esses
textos fazem parte.
Além disso, a utilização de outras mídias que permitam expandir as
leituras dos romances com os quais iremos trabalhar servirá de apoio para
desvelar os segredos do texto literário, bem como a maneira como o pensamento
Ocidental se utilizou e se utiliza de alguns deles (ambiguamente) para as mais
diversas causas políticas.
Aulas ao vivo transmitidas pela plataforma Zoom. As aulas serão gravadas e disponibilizadas na plataforma Moodle da PUC-Rio.